A morte nos faz cair em seu alçapão, / É uma mão que nos agarra / E nunca mais nos solta. / A morte para todos faz capa escura, / E faz da terra uma toalha; / Sem distinção ela nos serve, / Põe os segredos a descoberto, / A morte liberta o escravo, / A morte submete rei e papa / E paga a cada um seu salário, / E devolve ao pobre o que ele perde / E toma do rico o que ele abocanha.
(Hélinand de Froidmont. Os Versos da Morte. Poema do século XII. São Paulo : Ateliê Editorial / Editora Imaginário, 1996. 50, vv. 361-372)

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Breve Relato Histórico Sobre a Construção do Cemitério de Protestantes de Cachoeira – Bahia

Portal do Cemitério de Protestantes de Cachoeira em 2007. Foto Luiz Claudio Dias do Nascimento. Imagem disponível em 14/02/2012 no site: http://cacaunascimento.blogspot.com/2010/04/breve-relato-historico-sobre-fundacao.html


Por Luiz Cláudio Dias do Nascimento. Fragmento do artigo intitulado "Breve Relato Histórico Sobre a Fundação da Igreja Presbiteriana e Construção do Cemitério de Protestantes de Cachoeira – Bahia" postado em 30/04/2010 no blog: "Cachoeira On Line" ( http://cacaunascimento.blogspot.com/ ) editado pelo autor do mesmo. 

No dia 13 de abril de 1857, a Mesa administrativa da Irmandade de São João de Deus da Santa casa de Misericórdia enviou ofício às irmandades religiosas católicas de Cachoeira solicitando a cada uma delas construir, à suas expensas, carneiras no cemitério que estava sendo construído na cidade de Cachoeira .

Com exceção da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário do Sagrado Coração de Maria do Monte da Rua Formosa, conhecida como Irmandade dos Nagôs, que alegou possuir seu cemitério próprio, construído em 1856, da Irmandade de Nossa Senhora da Ajuda, que não era constituída formalmente, e da Irmandade da Ordem Terceira do Carmo, a Confraria do Amparo autorizou construir 40 carneiras, a Irmandade do Santíssimo Sacramento, construiu 15 carneiras, a Irmandade do Senhor Bom Jesus da Paciência adquiriu 20, a de Senhor Bom Jesus dos Martírios 20, a de Nossa Senhora do Rosário 25, a Irmandade da Conceição do Monte construiu 12 e a Irmandade de São João de Deus construiu 50 carneiras. Dezessete anos depois, em 1874, a Irmandade de São João de Deus inaugurava o equipamento, que ganharia a denominação de Cemitério Piedade. Antes da construção formal do mencionado cemitério, a Irmandade de São João de Deus sepultava seus mortos, e os falecidos no seu hospital da Santa Casa de Misericórdia, num arrabalde da então vila, localizada na imediação da estrada que dava acesso ao Capoeiruçu, uma zona rural de Cachoeira. Esse cemitério foi criado provisoriamente e de forma emergencial para sepultar vítimas da epidemia do cólera morbus, que vitimou milhares de pessoas no Recôncavo baiano entre 1550-60. Numa data não especificada, próximo ao cemitério fundado pela Irmandade de São João de Deus na proximidade da estrada de Capoeiruçu, havia um cemitério construído por protestantes. O termo “protestante” remete ao grupo de europeus não portugueses (alemães, ingleses, suíços de orientação religiosa luterana e calvinista, isto é, protestantes) que, como foi mencionado acima, chegou a Cachoeira (por extensão ao Recôncavo baiano), motivado pela implantação da ferrovia e pela industrialização do fumo nessa região a partir da segunda metade do século XIX.

Baseado na data de fundação da Igreja Presbiteriana em Cachoeira, acima analisada, o referido cemitério, que era uma reivindicação desse grupo religioso, certamente foi construído em meados ou final do século XIX. Não dispomos de peças documentais que ofereçam suportes para afirmar, mas é possível afirmar que as terras onde foi erigido esse cemitério foram compradas por Feliciano José de Araujo Lima. Vale ressaltar que no livro de atas da Igreja Presbiteriana de Cachoeira, corforme relata o já mencionado pastor Gevaldo Simões Sobrinho, consta um texto intitulado “Palavras proferidas na ocasião de se enterrar o Sr. Feliciano José de Araújo Lima”. Diz o pastor Gevaldo Simões que Feliciano é o primeiro nome da seção de “Óbitos” do livro de atas, onde consta que ele faleceu no dia 8 de abril de 1877 e foi sepultado no dia seguinte “no terreno que ele mesmo comprou para servir de cemitério para os acatólicos na Cachoeira”. Seis anos depois do falecimento, em 1883, José da Costa Ferreira, “procurador da Sociedade Fraternal Evangélica”, solicita à Câmara autorização para construir “seu cemitério”transferindo do alto da Rua da Feira, onde presentemente é edificado, para o alto dos Currais Velhos, a um [ao] lado [do cemitério] da Santa Casa” . O “alto da Rua da Feira” em referência é hoje denominado Cucuí de Brito, com suas ruelas e becos. Já o “alto dos Currais Velhos a um lado da Santa Casa” citado no documento é seguramente a atual Rua Stela (ou Rua André Rebouças).

Neste sentido, podemos afirmar que sem embargo as terras onde atualmente está assentado o Cemitério de Alemães (e também de Protestantes, acatólicos,exclusivamente para edificação do referido cemitério, de Estrangeiros, etc.), foram adquiridas em 1883 através da referida Sociedade Fraternal. No mesmo ano de 1883, o conselheiro municipal Francisco Vicente de Oliveira emitiu parecer em sessão ordinária, dizendo que “Attendendo as necesidades sentidas na Freguesia de São Felix de um cemitério, e ainda attendendo a utilização rel que pode elle prestar áquella população, proponho que do producto do imposto sobre o fumo em folha arrecadado no município no próximo exercício seja designado a quantia de três contos de reis destinado excluzivamente para edificação do referido cemitério, a crescentando-se [sic] na redacção do respectivo paragrapho o seguinte: três reais sobre kilograma de fumo em folha exportado do município, tirando-se a quantia de 3:000$000 desta verba para ser aplicado exclusivamente a factura de um cemitério na freguesia de São Felix. Cachoeira, 30 de abril de 1883”.

O que se pode reter deste parecer é que o grupo de europeus protestantes moradores na zona fumageira do Recôncavo baiano se impunha pela sua inserção econômica na região, e também pela sua inserção política diferenciada enquanto um grupo que se unia de forma identitária, tendo como elemento de referência a sua orientação religiosa protestante. As terras onde foi erigido o cemitério de Alemães pertenciam à Irmandade de Nossa Senhora da Conceição do Monte. Como foi citado em linhas acima, Fiuza fez doações de parte de suas terras, que no limiar do século XIX estavam sendo urbanizadas. Certamente as terras que foram vendidas para a Sociedade Fraternal Evangélica pela Irmandade de Nossa Senhora da Conceição do Monte foi uma das que em épocas anteriores à década de 1870 foram para ela doadas por José Antônio Fiúza da Silveira ou por seus herdeiros em épocas posteiores. A partir dessas evidências, é possível concluir, que a aquisição da chácara por parte da Fábrica de Charutos Suerdieck não se limitou unicamente em ampliar a sua área industrial, muito menos dotar à empresa de um laboratório de seleção de sementes de fumos, como foi utilizado o antigo quintal da chácara.

Tudo o que foi aqui dito leva a crer que a sua aquisição teve também como objetivo resgatar um espaço que tinha um significado simbólico importante para um pequeno, mas significativo núcleo de europeus protestantes que deixou marcas indeléveis nessa porção territorial do Recôncavo baiano. O Cemitério de Protestantes, como já foi aqui assinalado, está localizado no cume de uma ladeira que dá nome Rua Stela, atualmente denominada Rua André Rebouças. Trata-se de uma rua estreita, onde à direita existem casas vernaculares construídas no sopé de uma propriedade rural fragmentada da antiga chácara, resultante da divisão de propriedade quando da venda efetuada pela Irmandade de Nossa Senhora da Conceição do Monte, em 1907, lado esquerdo existem casas igualmente vernaculares construídas no declive do limite dos quintais das casas da Rua dos Artistas, a antiga Rua do Mata Burro, atualmente rua dos Artistas. O cemitério é uma construção simples, pequena (aproximadamente 600m2), composto de um portal em estilo gótico, que evidencia sua influência européia, com portão de ferro batido, protegido por um muro de aproximadamente 2 metros de altura. Vizinho existe uma casa onde residia o coveiro e vigia, atualmente ocupado pelo filho de um por um antigo operário da Suerdieck e funcionário do cemitério. Na entrada do cemitério existem colunas de ferro fundido, que sustentavam uma cobertura de telhas com frisos laterais de materiais não identificado.

Situação atual do Portal do Cemitério de Protestantes de Cachoeira. Foto Dilma L. C. Sentges. Imagem disponível em 14/02/2012 no site: http://cafehistoria.ning.com/group/historiadoscemitrios  





Em toda a extensão do cemitério os jazigos são dispostos de forma paralela uns aos outros. Os jazigos são separados paralelamente. No bloco à direita da entrada do cemitério os jazigos são diferenciados dos outros blocos. Nessa parte os blocos são menores, certamente porque destinavam ao sepultamente de crianças. São poucos os jazigos preservados nesse bloco, visto que foram violados sem motivos aparentes. As lápides são simples, pequenas e artisticamente diferenciadas das lápides de cemitérios católicos. São elas caixas construídas em tijolos que afloram do chão, cobertas por uma placa de mármore, pedras e granito e cercadas por uma grade de ferro fundido e artisticamente trabalhados. Na cabeceira, em vez de epitáfios que caracterizam as lápides católicas, a maioria é constituída de placas de mármore com inscrições em baixo relevo contendo o nome, data de nascimento e falecimento do indivíduo, escritos em alemão e e em inglês No Cemitério de Protestantes foram sepultados indivíduos pertencentes até a segunda geração de europeus chegados na década de 1870 e início do século XX, ou seja, até aproximadamente a década de 1960. Verifica-se, contudo, a existência de jazigos datados da década de 1980, alguns em verdade constituídos de restos mortais de indivíduos falecidos em épocas anteriores e sepultados em outros cemitérios, sendo posteriormente trasladados para jazigos familiares naquele cemitério.

Na década de 1950, no entanto, a Igreja Presbiteriana de Cachoeira não mais possuíam membros – ou possuíam poucos membros - de sobrenome alemão, inglês ou suíço, embora descendentes seus permanecessem residindo e se envolvendo por relações matrimoniais com antigas famílias portuguesas e até mesmo negras da região e professando outros segmentos religiosos cristãos não-protestantes (católicos, por exemplo). Em meados da década de 1950, por exemplo, padres missionários alemães realizavam missas na igreja matriz local, e procissões acompanhadas por alemães católicos residentes em Cachoeira e São Félix . Do mesmo modo, ao longo do tempo a Igreja Presbiteriana de Cachoeira foi aos poucos acolhendo adeptos de variados estratos sociais, étnicos e de outras orientações religiosas, inclusive adeptos do candomblé.

A Igreja Presbiteriana de Cachoeira, enfim, se tornou aos poucos, do ponto de vista da etnicidade, uma instituição mestiça. Por causa desses fatores, entre outros, atualmente o equipamento encontra-se abandonado. Tal desinteresse deve-se ao fato de a referida instituição religiosa ter perdido suas referências históricas. A maioria dos jazigos foi depredado ou sofreu degradação devido a ação do tempo, necessitando de urgente intervenção para conter a sua iminente destruição. Localizada em meio a uma área de recentes e desordenadas construções de casas, o equipamento sofre ameaça de ser invadido.

Descaso total com o cemitério de protestantes (também chamado de "cemitério dos alemães") de Cachoeira. Foto Dilma L. C. Sentges. Imagem disponível em 14/02/2012 no site: http://cafehistoria.ning.com/group/historiadoscemitrios 


A Igreja Presbiteriana de Cachoeira não manifesta interesse em preservar o cemitério, embora, como foi discutido, seja de fato e de júri a proprietária do equipamento. Em 1914, o cachoeirano Augusto Duarte registrou o falecimento de Aurélia Bertha Kiesler, de 48 anos, “ocorrido às 11:30 h. na Rua 25 de Junho, filha do Conde General de Kiesler e da condessa de Kiesler, casada com Frederico Hüpsel, natural da cidade de Neustadt Oberschlenn Kreisrtadt, na Alemanha, residente em Cachoeira”. A nobre alemã era mãe de Oceanna, Alfredo, Carlota, Gertrude, Anna, Hebert, José e Elsa. Como já foi dito, observando-se os jazigos preservados, verifica-se que até a década de 1940 o Cemitério dos Protestantes não realizava regularmente sepultamentos, mas pelo menos abrigava restos mortais de “estrangeiros”. Analisando tais jazigos, é possível identificar nome de pessoas que ainda possuem descendentes em Cachoeira, ou de pessoas que não são naturais ou residem nela, mas que mantém relações afetivas por relações de ancestralidades.

Algumas famílias são aqui citadas a partir de inscrição de suas lápides. São elas: Sophia Martfeld, nascida em Bahia [Salvador], em 19 de março de 1870, era filha de Konrad Martfeld, alemão que se estabeleceu em Cachoeira como plantador e exportador de fumos. Possui descendentes em Cachoeira, que preserva ainda um pequeno fabrico de manufatura de fumo. Walter Dannemann; geb 8 marz 1890; gest 14 august 1892, (nascido em 8 de março de 1892 e falecido em agosto de 1892), filho de Gerald Dannemann; Gerald Dannemann era natural de Bremem. Gerald era filho de Gerald Dannemann e Ottilia Danneman, e casado com Aleluia Navarro, filha do Dr. Antonio Rodrigues Navarro de Siqueira e Joanna Navarro de Siqueira, naturais de Salvador. Gerald Dannemann nasceu em 23 de abril de 1851 e Aleluia em 7 de abril de 1860, sendo testemunhas de casamento Carl Friedrick Schramm, natural de Bremen, negociante em Salvador, e José Isidoro Reppol, baiano de Salvador, engenheiro. Sophia Schramm, geb 16 mai 1918; gest 31 october 1920, era filha de Otto Schramm. Outra família Sharamm, sem vínculo de parentesco com seu patrício Otto Schramm e Bertha Schramm. Esta Bertha Schramm foi casada com Heinrich Schramm, que era tia de Sophia Martfeld, que era casada com Alberto Conrado Martfeld. Consta no seu inventário que Bertha Schramm faleceu na casa do súbdito allemão Alberto Conrado Martfeld, num sobrado existente no fundo da Estação Ferroviária de Cachoeira, o qual era casado com sua sobrinha Sophia Martfeld Bertha. Heinrich Schramm possuía imóvel à Rua Ponte Nova, 5, e faleceu na casa do “súbdito allemão Alberto Conrado Martfeld, o qual era casado com sua sobrinha Sophia Martfeld”. Bertha possuía herdeiros no estrangeiro (Alemanha e Argentina). Residiu, depois de viúva, com o já citado negociante Alberto Conrado Martfeld. Ela era alemã e seus familiares eram ligados à Igreja Luterana, conforme documento anexado na arrematação . O alemão Alberto Conrado Martfeld, agora com o nome aportuguesado, era filho dos alemães Konrad Joseph Martfeld e Nitte Maria Martfeld, naturais de Bremen, Alemanha, ambos luteranos. Otto Schramm, “gest 18 de abril de 1869 geb 17 de marz 1934”, era proprietários de terras em algumas localidades próximas de Cachoeira, onde plantava tabaco para exportação e fornecimento para fábricas de fumos da região. Alguns descendentes residem atualmente em Brasília, Rio de Janeiro e Salvador; Rudolf Gaeschlin; geb 23/11/1877; gest 17/01/1938, fazendeiro e proprietário de terras na zona açucareira de Cachoeira. Identificamos cinco europeus de variadas nacionalidades moradores de São Félix que eram protestantes e foram sepultados no citado cemitério. Eram eles: Sydney Clement Dore, inglês, natural de Londres, maquinista da Estrada de Ferro Central da Bahia, casado com América Tavares, brasileira. Em 1890, ano de seu falecimento, Sydney tinha 23 anos. Era filho de Thomas Bert Dore e Maria Luísa Dore, O outro era Carlos [Carl] Cristiano Emilio Deter, filho de Henrique João Deters e Carolina Mendes Deters, 41 anos, natural de Hamburgo, Alemanha . Pedro Cupertino e Philomena Galizia. Pedro Cupertino era filho de Cupertino e Maria Rosa, italiano, 45 anos, Maria Rosa era viúva, 35 anos, filha de Nicolau Galizia Rosa. João Carlos Frederico Simões, filho legítimo de Frederico Simões e Helena Simões, 45 anos, natural da Alemanha, e Angélica Senhorinha Pereira Baião, 29 anos, natural de Salvador, filha de Manoel Marcolino Pereira Baião e Tecla Maria do Pilar Baião.

Felix Angelotti, filho natural de João Angelotti e Rosa Maria Angelotti, 32 anos de idade, e D. Cândida Laudelino de Queiroz, 16 anos, cachoeirana, filho de José Machado de Queiroz e Simpliciana de Jesus Queiroz, de São Felix. Igualmente europeus residentes em São Felix que possuem lápides no Cemitério de Protestantes são os cinco nomes que não foi possível encontrar referências documentais. São eles: Ernst Jorn; geb 27/11/1884 in Uslar Deutschland; gest 19 februar 1910 in São Félix; Johann Rudolf Schrader; geb in Barsbuttel, 17 august 1874; gest in St. Félix [São Felix] 24 april 1899; Franz L. Reiske – 28.IX.1901/01.11.1923; Erwin Stanffert; geb 03/01/1900; gest 22 de mai 1926; Franz Feuerherd; geb 17/01/1876; gest 09 de maio 1931.
 

Um comentário:

  1. Sou uma Schramm, descendente de OTTO SCHRAMM, do grupo que vive no Rio de Janeiro e quero acrescentar que tenho um irmão que vive em Porto Alegre. Grata por todas estas informações.

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