A morte nos faz cair em seu alçapão, / É uma mão que nos agarra / E nunca mais nos solta. / A morte para todos faz capa escura, / E faz da terra uma toalha; / Sem distinção ela nos serve, / Põe os segredos a descoberto, / A morte liberta o escravo, / A morte submete rei e papa / E paga a cada um seu salário, / E devolve ao pobre o que ele perde / E toma do rico o que ele abocanha.
(Hélinand de Froidmont. Os Versos da Morte. Poema do século XII. São Paulo : Ateliê Editorial / Editora Imaginário, 1996. 50, vv. 361-372)

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

“À FLOR DA TERRA: o cemitério dos pretos novos no Rio de Janeiro” livro de Júlio César Medeiros da Silva Pereira

Foto: Capa do livro "À flor da terra", 2007. Imagem disponível em: http://revistadehistoria.com.br/v2/home/?go=detalhe&id=1249

Por Nataraj Trinta. Resenha publicada na Revista de História da Biblioteca Nacional, Seção “Livros”, Edição nº 26, [01 de] Novembro de 2007.

Durante a travessia do Atlântico, de trezentos a quinhentos escravos eram acorrentados em pequenos porões, com um metro e meio de altura, cujas paredes comportavam uma espécie de prateleira de madeira sobre a qual jaziam corpos negros. Aqueles que completavam a viagem, atacados por varíola e outras doenças, também morriam antes mesmo de serem vendidos. A “carga perdida” era habitualmente lançada nua (envolta em esteiras), em lugares sem covas, sem caixões, e coberta apenas por um pouco de terra.

No caso do Rio de Janeiro (fins do século XVIII e início do XIX), o principal cemitério da região para sepultamento dos pretos novos se encontrava na área do Valongo, trecho que vai da Prainha à Gamboa. Hoje, pleno centro da cidade. Segundo o relato do viajante G. F. Freireyss em 1814, “no meio deste espaço [de 50 braças] havia um monte de terra da qual, aqui e acolá, saíam restos de cadáveres descobertos pela chuva que tinha carregado a terra e ainda havia muitos cadáveres no chão que não tinham sido ainda enterrados”.

O cemitério, neste livro, não é pensado, porém, como fim em si mesmo, e sim analisado a partir de múltiplas conexões: sua relação com o tráfico de escravos, a origem geográfica dos sepultados e a vivência dos que testemunharam o tratamento dado aos negros falecidos. Debruçado sobre documentos de arquivo, relatos de viajantes e estudos sobre a cultura da morte nas tradições católica e banto, o pesquisador Júlio César nos traz um trabalho instigante, cujo principal legado é chamar a atenção para uma história ainda pouco pensada: a violência praticada contra os escravos mortos recém-chegados ao Brasil.


[Dados sobre a obra]:
Páginas: 202
Ano: 2007
Editora: Garamond
Preço Encontrado: R$ 32,40.



Nota: O livro “À flor da terra” foi o vencedor da 1ª edição do Concurso de Monografia do Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro intitulado “Prêmio Prof. Afonso Carlos Marques dos Santos”.

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