Arqueóloga Vera Guapindaia com urna funerária. Foto: F. Guenet/B. Arnaudo - Revista Veja
Figuras agrupadas como num ritual. Foto: F. Guenet/B. Arnaudo - Revista Veja
As urnas do Rio Maracá não são inteiramente novas para os arqueólogos. Três delas estão expostas na Mostra do Redescobrimento, no Parque do Ibirapuera, em São Paulo. A questão é que até agora os vasos cerâmicos não tinham sido estudados sistematicamente. Havia apenas exemplares isolados coletados no fim do século XIX e desde então incorporados à coleção do Museu Goeldi, sob catalogação bastante genérica. Isso mudou com a descoberta dos cemitérios, o último deles no final do ano passado. Os maracás tinham um rito fúnebre bastante original. Não enterravam as urnas, como ocorria entre a maioria dos indígenas. Guardavam os ossos numa disposição padronizada. No fundo do vaso era colocada a pélvis e, sobre ela, as costelas, os ossos das mãos e dos pés. Por cima de tudo vinha o crânio. Os ossos mais longos eram acomodados nas laterais da urna. Os pesquisadores acreditam que as figuras zoomorfas, semelhantes a jabutis, guardavam ossos de pajés e chefes. "Os cemitérios nos fazem supor que os maracás viam as urnas como uma maneira de reverenciar e cultuar os antepassados", diz a arqueóloga Vera Guapindaia, coordenadora da pesquisa. "A visão das urnas com formas humanas sentadas em seus bancos e com as mãos nos joelhos devia causar um sentimento de temor e respeito."
Tampa de um vaso: desenhos indicam o sexo do morto. Foto: F. Guenet/B. Arnaudo - Revista Veja
Regalias femininas – Os bancos de madeira têm um significado marcante em várias culturas indígenas. São artefatos exclusivos de chefes, pajés e visitantes ilustres, acessórios importantes na tomada de decisões. Acreditava-se que o ato de sentar-se em um banco propiciava maior poder de concentração e reflexão. Daí também seu aspecto mágico. É curioso que o formato das urnas maracás seja de pessoas sentadas em bancos. Como isso ocorre até com as urnas que contêm ossos femininos, os cientistas supõem que a sociedade fosse igualitária, mesmo no trato com as mulheres. O sexo dos mortos é perfeitamente definido no formato dos vasos. Referências tão explícitas ao sexo feminino em objetos funerários são raras, mas coincidem com algumas descobertas interessantes sobre o papel das mulheres na região. Relatos dos primeiros europeus a percorrer o atual Amapá, no século XVI, falam de mulheres com papéis não tradicionais, como de guerreiras. Frei Gaspar de Carvajal, cronista da expedição de Francisco de Orellana, comparou-as às lendárias amazonas gregas, em 1542. Involuntariamente, ele associou para sempre essa imagem à região, batizando o rio com o nome de Amazonas.
Os cemitérios estão espalhados numa área de aproximadamente 21 quilômetros quadrados e já foram localizadas cerca de 150 urnas. Paralelamente ao levantamento das ossadas, os cientistas esperam datar as descobertas com exames de carbono 14 a cargo do Museu Nacional do Rio de Janeiro. Também estão sendo procurados vestígios de aldeias e habitações, essenciais para permitir a identificação do povo maracá. Já encontraram três sítios arqueológicos com cacos de cerâmica de uso cotidiano, que se acredita serem dos mesmos índios que fabricaram as urnas. "Cinco anos de estudos numa região com um potencial desse tamanho não é nada", comenta Vera Guapindaia. Se depender dela e de sua equipe, as pesquisas à beira do Rio Maracá só vão parar quando se souber exatamente que língua falavam e por quanto tempo viveram ali os índios que transformaram as cavernas do Amapá em mausoléu.
Fonte: http://veja.abril.com.br/140600/p_100.html
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