ESCAVAÇÃO DIFÍCIL. Os arqueólogos peruanos tiveram de desenterrar o que restou do cemitério inca (Foto: Revista Galileu)
Por Martha San Juan França
Enviada especial da Revista GALILEU a Lima (Peru).
Publicado na reportagem: A última trincheira Inca. In: Galileu. São Paulo, Editora Globo, ano 11, nº 130, maio/2002, p. 68-9.
Os incas se destacaram na História latino-americana por muitos motivos, mas principalmente por suas cidades monumentais construídas de enormes blocos de pedra perfeitamente encaixados e pelas estradas e terraços agrícolas abastecidos por um eficiente sistema de irrigação que até hoje servem de motivo de orgulho e admiração de engenheiros e urbanistas peruanos. Por isso, não deixa de ser irônico que uma equipe de arqueólogos daquele país tenha iniciado uma operação de salvamento da herança inca enterrada embaixo de um amontoado de casebres situados em Puruchuco, na periferia de Lima – a favela de Tupac Amaru, o nome sendo uma homenagem dos pobres moradores da comunidade, na maioria de origem indígena, ao último imperador que desafiou os conquistadores espanhóis.
Ali, exatamente sob a favela que abriga mais de 1.200 famílias vivendo em condições precárias, foi descoberto o segundo maior cemitério inca do Peru. Sem água nem esgoto, os moradores da favela ameaçam involuntariamente o tesouro arqueológico escondido sob o solo árido que até dez anos atrás permanecia intacto. Numa luta contra o tempo, os arqueólogos conseguiram salvar nos últimos três anos os restos de aproximadamente 2.200 indivíduos de várias classes sociais, ali enterrados – ou cerca de 40% do cemitério. Com os corpos mumificados, foram encontrados objetos de uso pessoal, religiosos, roupas e uma parte da história cotidiana desse povo que, apesar de tão falado, não deixou registros escritos. O que se sabe sobre os incas hoje foi retirado dos documentos dos conquistadores espanhóis, do estudo dos monumentos e objetos e da herança oral indígena.
"Podemos dizer com segurança que 99,8% desses 'túmulos' foram feitos em um período de apenas 75 anos, o que torna o cemitério de Puruchuco uma amostra inigualável da história inca", afirmou a GALILEU o arqueólogo peruano Guillermo Cock, responsável pela operação de salvamento. Hoje, ele conta com o apoio da National Geographic Society para fazer as escavações, mas nos primeiros tempos, Cock teve que enfrentar a desconfiança da comunidade, temerosa de ser expulsa de suas casas, e até de remanescentes do grupo terrorista Sendero Luminoso.
Um desenho dos túmulos (Desenho: Revista Galileu)
"Falsas cabezas"
O arqueólogo peruano chama a atenção para a descoberta em Puruchuco de quase 40 "falsas cabezas", uma espécie de embrulho com um lado saliente, contendo vários indivíduos. Esses "embrulhos" eram enterrados em um poço amplo escavado a uma profundidade de 4 a 5 metros. Assim que esses poços ficavam lotados de "falsas cabezas", o espaço era completado com oferendas de alimentos, presentes e vários objetos. Acima deles, eram enterrados outros corpos, preenchendo "túmulos" de três camadas, tendo as "falsas cabezas" ao fundo.
Sem ter permissão para entrar nas casas dos moradores da favela, Cock e sua equipe tiveram que trabalhar no que restou de espaços abertos, nas ruas e entre os blocos - sempre cercados pela comunidade. "Um dos nossos maiores desafios foram as péssimas condições de saúde", recorda Cock. "Toda a água do local era trazida em caminhões e já chegava contaminada. É triste dizer, mas os moradores de Tupac Amaru já se adaptaram a isso. Mas os integrantes da equipe de arqueólogos ficaram doentes logo nos primeiros dias."
Em um pequeno prédio de dois andares no centro de Lima, os arqueólogos guardam centenas de fardos contendo os achados de Tupac Amaru. Resta analisar o conteúdo e entender mais sobre as condições sociais, econômicas, políticas e religiosas dos antepassados dos atuais moradores da favela.
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