A morte nos faz cair em seu alçapão, / É uma mão que nos agarra / E nunca mais nos solta. / A morte para todos faz capa escura, / E faz da terra uma toalha; / Sem distinção ela nos serve, / Põe os segredos a descoberto, / A morte liberta o escravo, / A morte submete rei e papa / E paga a cada um seu salário, / E devolve ao pobre o que ele perde / E toma do rico o que ele abocanha.
(Hélinand de Froidmont. Os Versos da Morte. Poema do século XII. São Paulo : Ateliê Editorial / Editora Imaginário, 1996. 50, vv. 361-372)

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Piracicaba (SP) sedia IV ENCONTRO DE ESTUDOS CEMITERIAIS

Imagem disponível em 26/02/2010 em http://www.estudoscemiteriais.com.br/apres.html

Do site oficial da ABEC - Associação Brasileira de Estudos Cemiteriais
[http://www.estudoscemiteriais.com.br/org.html]


A ABEC realizará no mês de julho, o IV Encontro da Associação Brasileira de Estudos Cemiteriais, na cidade de Piracicaba em São Paulo. O evento tem como objetivo reunir pesquisadores cemiteriais do Brasil e demais países da América Latina, para troca e divulgação de estudos e pesquisas sobre o espaço do cemitério enquanto lugar de memória, de produção artística e de patrimônio cultural.


Acesse a I Circular do IV Encontro da Associação Brasileira de Estudos Cemiteriais

http://www.estudoscemiteriais.com.br/Icircular.pdf

[Sobre a ABEC:]

A Associação Brasileira de Estudos Cemiteriais (ABEC) tem por objetivo agrupar pessoas que tenham interesse em pesquisar o cemitério como lugar de memória, de produção artística e de patrimônio cultural. Criada em 2004, a entidade promove encontros bianuais e nota-se um crescente interesse dos pesquisadores brasileiros pela temática, à medida que tem aumentado o número de participantes nos eventos promovidos pela ABEC. O primeiro encontro na USP, em São Paulo, ocorreu no ano de 2004, seguido pelo de Porto Alegre, realizado na PUC em 2006. Já em 2008, o encontro nacional da instituição ocorreu na cidade de Goiânia-GO, entre os dias 15 e 18 de julho, nas dependências do Museu Antropológico da UFG, com o apoio da Faculdade de Artes Visuais - Programa de Pós-graduação – Mestrado – em Cultura Visual.

Na ocasião, pesquisadores de todo o Brasil e também de outros países, participaram do evento, com apresentações de trabalhos e discussões sobre os mais variados vieses acerca da temática cemiterial. Interagiram nos debates historiadores, geógrafos, historiadores da arte, profissionais do turismo, arqueólogos, antropólogos, fotógrafos, enfim, pesquisadores e profissionais de áreas tão distintas mas que em comum possuem o interesse pelo cemitério em suas mais variadas possibilidades de abordagem.

Hoje a ABEC possui associados em todas as regiões do país (...).

CONTATO: estudos.cemiteriais@gmail.com

Fonte: http://www.estudoscemiteriais.com.br/apres.html

sábado, 20 de fevereiro de 2010

“CIDADE DOS VIVOS: arquitetura e atitudes perante a morte nos cemitérios do estado de São Paulo” livro de Renato Cymbalista

Estudo põe em foco a arquitetura dos túmulos do interior paulista. Mais de 2000 fotografias são resultado de estudo que documentou e analisou as representações tumulares, além de contar a história da formação dos cemitérios.

Capa do livro "Cidade dos Vivos" de Renato Cymbalista. Imagem disponível em 20/02/2010 no site: http://www.annablume.com.br/comercio/product_info.php?cPath=7&products_id=29



Por Simone Harnik. Publicado em 10/11/2003 no boletim eletrônico nº 1312 da Agência USP de Notícias na seção “Destaque”. [ http://www.usp.br/agen/ ]


O arquiteto Renato Cymbalista documentou cemitérios de mais de 40 cidades do interior paulista, com uma produção de cerca de 2000 registros fotográficos. Esse trabalho faz parte do mestrado defendido na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP, e hoje pode ser encontrado nas livrarias sob o título de Cidades dos Vivos (da Editora Annablume). O livro, além da pesquisa histórica, disponibiliza 250 fotos da dissertação.

O pesquisador tratou os cemitérios como um microcosmo da cidade, no qual ricos e pobres, negros e brancos ocupam o mesmo espaço e constroem sua identidade social principalmente pela arquitetura dos túmulos.

Cymbalista buscou entender como os cemitérios passaram a integrar a paisagem urbana. No período colonial predominava uma relação íntima entre vivos e mortos - quem morria, por exemplo, podia ser enterrado dentro de igrejas, um local de convívio. "Apenas no século XIX, é que a idéia de um cemitério em um lugar afastado surgiu, junto com o desejo burguês de organizar e impor normas aos espaços, seguindo, muitas vezes, modelos de cidades européias."

O arquiteto Renato Cymbalista [retratado em foto de Flávio Magalhães] documentou cemitérios de mais de 40 cidades do interior paulista, com uma produção de cerca de 2000 registros fotográficos. Imagem disponível em 20/02/2010 no site: http://www.vitruvius.com.br/arquiteturismo/arqtur_29/arqtur29_03.asp



Apesar de os cemitérios terem alterado o modo de lidar com a morte, o arquiteto verificou que certos costumes, como as atitudes mágicas e a veneração de certos mortos, resistiram às mudanças. Um exemplo é o do túmulo de Ivana Javanovitch (1907-1987), também conhecida por Cigana Ivana. Em São José do Rio Preto, onde seu corpo está sepultado, ela recebe pedidos escritos com batom sobre o granito de sua lápide, além de maquiagem, bijuterias e cigarros.

O pesquisador procurou, ainda, entender os motivos que determinavam as formas arquitetônicas dos cemitérios, assim como as relações de poder e os conteúdos religiosos ou leigos contidos nelas. Tentou reconstruir os processos pelos quais as representações, figuras e ornamentos foram reinterpretados e reinventados ao longo do tempo.

Um dos elementos analisados foram as flores de Bauru. As flores acompanham os mortos há muito tempo. Porém, as flores naturais perdem o vigor rapidamente e, para fazê-las mais duradouras, utilizaram-se representações em porcelana, lata ou plástico. O túmulo do primeiro enterrado no cemitério de Bauru, João Henrique Dix (que se suicidou em 1908, para inaugurar a necrópole), já levava flores esculpidas em mármore. Mais tarde, em 1928, as flores de um outro túmulo foram moldadas em alvenaria e reboco. Estes tipos de ornamento serviram na decoração do pórtico de entrada do cemitério da cidade e popularizaram-se para outros túmulos do cemitério, criando algo como um "estilo bauruense". "Na década de 1960, as flores praticamente deixaram de ser utilizadas e o padrão passou a ser o emprego do granito, pelos mais ricos, e de azulejos, pelos mais pobres".

Classes sociais no cemitério


Cymbalista se interessou por estudar os cemitérios de cidades interioranas do Estado de São Paulo devido à diversidade de formas, estilos e materiais dos túmulos. "Além disso, os cemitérios de cidades do interior, apresentam uma maior interface entre as classes sociais", explica.

Os túmulos das cidades do oeste paulista pareciam, ao pesquisador, caracterizar um tipo de arquitetura híbrida, que misturaria os estilos eruditos, com modos construtivos populares. No entanto, durante o trabalho de campo, Renato verificou que sua hipótese não se confirmava. "Conversando com mestres de obras dos cemitérios, percebi que eles não se viam como portadores de um estilo. Os túmulos das elites é que ditavam as modas. Mas isso não significa que a população tenha deixado de se colocar no espaço dos cemitérios. Ela se manifesta com os objetos de devoção, com a adoração de certos mortos e santos, por exemplo", conclui.

Mais informações: (0XX11) 3258-6121 ramal 236 ou e-mail
renato@polis.org.br


Fonte: http://www.usp.br/agen/bols/2003/rede1312.htm#primdestaq


Renato Cymbalista, arquiteto e urbanista, mestre e doutor pela FAU USP, coordenador da área de urbanismo do Instituto Pólis (2003-2008), professor de História da Cidade na Escola da Cidade. É autor dos livros "Cidades dos vivos: arquitetura e atitudes perante a morte os cemitérios do Estado de São Paulo" (Anna Blume) e "São Paulo 360 graus" (Com Helmut Batista, Panawiew). É pesquisador de pós-doutorado do IFCH-UNICAMP e bolsista FAPESP.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Cemitério Israelita de Inhaúma - no Rio

Lápides têm números, ao invés de nomes, e muro demarca a exclusão das "polacas", as prostitutas judias

Túmulos no Cemitério Israelita de Inhaúma, no Rio de Janeiro. Fotos do acervo pessoal de Beatriz Kushnir. Imagem disponível em: http://www.revistadehistoria.com.br/v2/home/?go=detalhe&id=1200



Por Beatriz Kushnir. Artigo publicado na Revista de História da Biblioteca Nacional, Seção “Patrimônio em Perigo”, 26/10/2007. Edição nº 25, Outubro de 2007.



O Decreto N.º 28.463, de 21/9/2007, publicado no Diário Oficial do Município do RJ de 24/9/2007, é a garantia legal que o Cemitério Israelita de Inhaúma será preservado de forma intacta. Não se farão alterações arquitetônicas, nem promoverão novos enterros sem a autorização expressa do Patrimônio Cultural da Prefeitura do Rio.

O Cemitério Israelita de Inhaúma será resguardado enquanto o espaço de sepultamento dos sócios e sócias da Associação Beneficente Funerária e Religiosa Israelita (ABFRI) – as famosas “polacas”.

O cemitério está trancado e é preciso fazer um balé de negociações para garantir a entrada. Ninguém mais além de mim e de meus amigos foram até lá no domingo, dia 16/9, entre o Rosh Hashaná e o Yom Kipur, data em que se reverenciam os mortos.

Lápides tem números ao invés de nomes (...) Túmulos no Cemitério Israelita de Inhaúma, no Rio de Janeiro. Fotos do acervo pessoal de Beatriz Kushnir. Imagem disponível em: http://www.revistadehistoria.com.br/v2/home/?go=detalhe&id=1200

Assustei-me com o estado de abandono do lugar, das lápides pintadas com cal e numeradas com colorjet preta, mesmo que existam informações em sua base. Cresce o número de sepulturas sem identificação, mesmo que eu venha constantemente dizendo onde está o documento que recoloca as identidades nos túmulos…

O tombamento do cemitério não é inesperado. Aquele campo-santo está ausente de uma ação efetiva. Na década de 1980, o Dr. Siqueira, então presidente da Sociedade Comunal Israelita, assumiu junto ao Departamento de Cemitérios da Prefeitura do Rio que o Comunal zelaria por Inhaúma, já que os sócios e sócias da ABFRI estavam idosos e quase todos falecidos. Nos últimos anos, contudo, o estado de abandono me fez várias vezes solicitar ao Departamento de Cemitérios a limpeza do local.

Em fevereiro de 2007 fui impedida de entrar em Inhaúma. Constatei que o Cemitério estava trancado, algo que nunca ocorreu antes. Para tentar entender o que se passava, soube que a Federação Israelita do Estado do Rio de Janeiro (Fierj) apoiava uma iniciativa do Comunal de construir um muro separando as lápides existentes de um pequeno terreno ainda ocioso no cemitério e que margeia a favela do Rato Molhado. Esse muro é para impor as normas judaicas de que prostitutas e suicidas são enterrados junto aos muros, demarcando sua exclusão.

Túmulos no Cemitério Israelita de Inhaúma, no Rio de Janeiro. Fotos do acervo pessoal de Beatriz Kushnir. Imagem disponível em: http://www.beijodarua.com.br/materia.asp?edicao=28&coluna=6&reportagem=779&num=1

Após essa “sacralização” e separação, outros enterramentos seriam realizados ali. Por tudo que pesquisei sobre elas, não posso permitir que isso ocorra. Párias não! Torço que a Fierj e o Comunal anunciem, como o fez a Sociedade Cemitério Chevra Kadisha de São Paulo há quase dez anos em Cubatão e no Butantã, a abertura, restauro e manutenção de Inhaúma.

Coloco-me, como sempre o fiz, à disposição para ajudar a realizar tal tarefa.
Para apoiar essa causa, assine e divulgue a Petição Online contra a o abandono do Cemitério Israelita de Inhaúma:
www.petitiononline.com/branca/petition.html



Beatriz Kushnir é Doutora em História Social do Trabalho pela UNICAMP. Atualmente dirige o Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro [Prefeitura do Rio/Secretaria Municipal das Culturas]. É autora, entre outras obras, de Baile de máscaras: mulheres judias e prostituição. As polacas e suas associações de ajuda mútua (Rio de Janeiro,Imago, 1996).



Saiba mais:

Zonas de Solidariedade

[http://www.revistadehistoria.com.br/v2/home/?go=detalhe&id=395]
Judias imigrantes da Europa Oriental, as polacas tornaram-se prostitutas no Brasil. Marginalizadas, buscaram no auxílio mútuo uma forma de viver com dignidade.


Blog sobre as "polacas"

[ http://polacas.blogspot.com/ ]


Fonte: http://www.revistadehistoria.com.br/v2/home/?go=detalhe&id=1200

Veja também:

http://www.beijodarua.com.br/materia.asp?edicao=28&coluna=6&reportagem=779&num=1

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

México - Descobertos cemitérios indígenas de povos que escaparam da colonização espanhola

Os restos humanos encontrados em grutas da serra Tarahumara de Chihuahua, norte do México, da etnia tubares, datados entre os séculos XVI e XVII. Imagem disponível no blog:http://jc3.uol.com.br/blogs/blogcma/canais/noticias/2010/02/06/descobertos_cemiterios_indigenas_de_povos_que_escaparam_da_colonizacao_espanhola_63346.php em 08/02/2010.


Da Agência France Press. Postado por Verônica Falcão no blog “CIÊNCIA E MEIO AMBIENTE” do “JC ONLINE” às 07:03 em 06/02/2010.


Restos humanos, casas e túmulos, alguns com mais de mil anos de antiguidade, foram encontrados em grutas da serra Tarahumara de Chihuahua, norte do México, informou esta semana o Instituto de Antropologia e História. "Mais de dez sítios de caráter habitacional e funerário foram localizados no interior dessas cavernas de pouca profundidade em Barranca de la Sinforosa, Chihuahua", segundo um comunicado.

As construções, de terra e pedra, possuem dormitórios, celeiros e armazéns. Alguns túmulos continham restos de corpos "envoltos em mantas de fibras vegetais, amarrados com cordas e agulhas de madeira, ao lado de oferendas, compostas por artefatos de cerâmica", diz a nota.


Construções de terra e pedra em grutas da serra Tarahumara de Chihuahua, norte do México. Imagem disponível no blog:http://jc3.uol.com.br/blogs/blogcma/canais/noticias/2010/02/06/descobertos_cemiterios_indigenas_de_povos_que_escaparam_da_colonizacao_espanhola_63346.php em 08/02/2010.

Entre esses restos humanos, estavam duas crianças, cinco adolescentes e seis adultos, datando dos séculos XVI ou XVII, correspondendo a uma etnia indígena - os tubares, que teriam se escondido na serra Tarahumara, para evitar ser evangelizados pelos espanhóis.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

“À FLOR DA TERRA: o cemitério dos pretos novos no Rio de Janeiro” livro de Júlio César Medeiros da Silva Pereira

Foto: Capa do livro "À flor da terra", 2007. Imagem disponível em: http://revistadehistoria.com.br/v2/home/?go=detalhe&id=1249

Por Nataraj Trinta. Resenha publicada na Revista de História da Biblioteca Nacional, Seção “Livros”, Edição nº 26, [01 de] Novembro de 2007.

Durante a travessia do Atlântico, de trezentos a quinhentos escravos eram acorrentados em pequenos porões, com um metro e meio de altura, cujas paredes comportavam uma espécie de prateleira de madeira sobre a qual jaziam corpos negros. Aqueles que completavam a viagem, atacados por varíola e outras doenças, também morriam antes mesmo de serem vendidos. A “carga perdida” era habitualmente lançada nua (envolta em esteiras), em lugares sem covas, sem caixões, e coberta apenas por um pouco de terra.

No caso do Rio de Janeiro (fins do século XVIII e início do XIX), o principal cemitério da região para sepultamento dos pretos novos se encontrava na área do Valongo, trecho que vai da Prainha à Gamboa. Hoje, pleno centro da cidade. Segundo o relato do viajante G. F. Freireyss em 1814, “no meio deste espaço [de 50 braças] havia um monte de terra da qual, aqui e acolá, saíam restos de cadáveres descobertos pela chuva que tinha carregado a terra e ainda havia muitos cadáveres no chão que não tinham sido ainda enterrados”.

O cemitério, neste livro, não é pensado, porém, como fim em si mesmo, e sim analisado a partir de múltiplas conexões: sua relação com o tráfico de escravos, a origem geográfica dos sepultados e a vivência dos que testemunharam o tratamento dado aos negros falecidos. Debruçado sobre documentos de arquivo, relatos de viajantes e estudos sobre a cultura da morte nas tradições católica e banto, o pesquisador Júlio César nos traz um trabalho instigante, cujo principal legado é chamar a atenção para uma história ainda pouco pensada: a violência praticada contra os escravos mortos recém-chegados ao Brasil.


[Dados sobre a obra]:
Páginas: 202
Ano: 2007
Editora: Garamond
Preço Encontrado: R$ 32,40.



Nota: O livro “À flor da terra” foi o vencedor da 1ª edição do Concurso de Monografia do Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro intitulado “Prêmio Prof. Afonso Carlos Marques dos Santos”.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Cemitério dos Pretos Novos - Morte nos porões da barbárie

Os segredos do cemitério de escravos no caminho da Gamboa, zona portuária, no centro do Rio de Janeiro.



IMAGENS DE UM GENOCÍDIO. Ossadas de negros encontradas em escavações na Gamboa, zona portuária do Rio de Janeiro. Foto disponível em 01/02/2010 no site: http://www.sintufrj.org.br/PORTALII/cemiteriodosPretosNovos.htm





Do site do SINTUFRJ - Sindicato dos Trabalhadores em Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, portal II, seção arte/foto [Notícias on-line] - Cemitério dos Pretos Novos. [ http://www.sintufrj.org.br/PortalII/index.htm ]




O sonho de voltar para junto dos seus antepassados, na África, não se concretizou nem mesmo depois da morte para 6.119 negros trazidos à força no século XIX para serem vendidos em leilões na Rua Direita, atual Primeiro de Março. A morte nos porões dos navios negreiros ou à luz do dia, diante da multidão, quando doentes e atordoados eram arrastados ao mercado de escravos tão logo desembarcavam no Porto do Rio de Janeiro, apenas garantiu a esses africanos morrer antes de serem escravizados no Brasil.

Pela tradição religiosa dos negros bantos, cultuada por esse contingente de africanos, vindos de várias partes da África Central, como Luanda, Moçambique, Bengala, Congo, o sepultamento em cova funda era parte importante do ritual para o retorno ao seu continente e o reencontro com os entes queridos. Mas o destino final daqueles que não resistiam aos sofrimentos da viagem era uma área de 110 m2, situada no antigo caminho da Gamboa, conhecida como a Rua do Cemitério, mais tarde Rua da Harmonia, hoje Rua Pedro Ernesto.


Fotos disponíveis em 01/02/2010 no site: http://www.rio.rj.gov.br/sedrepahc/proj_sitio_arqueo_pretos_novos.shtm

Ali, à flor da terra, os corpos nus eram jogados uns sobre os outros e queimados uma vez por semana. Desde 1996, jazem em uma caixa de papelão no Instituto de Arqueologia Brasileiro (IAB) fragmentos de ossos que correspondem a 28 esqueletos completos de pretos novos, os recém-chegados da África, cuja idade variava entre 3 e 25 anos, do sexo masculino e feminino.


Cemitério foi descoberto por acaso


A confirmação da existência do Cemitério dos Pretos Novos, no Rio de Janeiro, o único do qual se tem notícia na América, só foi possível graças ao voluntarismo do casal Ana Maria Merced e Petrúcio Guimarães, e às pesquisas de Júlio César Medeiros da Silva Pereira, na época um estudante de História da Uerj, atualmente mestre em História Social pela UFRJ. Proprietários da casa nº 36 na Rua Pedro Ernesto – uma típica construção do século XVIII, sem banheiro e rede de esgoto, que abrigou famílias pobres e negros libertos, na zona portuária –, Merced e Petrúcio iniciaram, em 1996, escavações para colocação de estruturas de ferro que permitiria construir cômodos em cima. Mas para espanto dos pedreiros, ossos misturados a fragmentos, tais como miçangas de vidro, artefatos de ferro e pedaços de cerâmica, começaram a saltar da terra. “A firma de engenharia que fez a sondagem do solo constatou que de 20 cm a dois metros de profundidade só tinha ossos”, contou Merced.

Foto disponível em 01/02/2010 no site: http://www.rio.rj.gov.br/sedrepahc/proj_sitio_arqueo_pretos_novos.shtm

E a lenda que corria de que no bairro existiu um cemitério de escravos se confirmou. O achado foi informado à Prefeitura e, através de mapas antigos do município, duas arqueólogas constataram que abaixo não só da casa dos Guimarães, como numa área de 110 m2, centenas de africanos encontraram sua última morada. As pesquisas de Júlio César, primeiro para a monografia e depois para a dissertação de mestrado, complementaram a informação histórica: de 1779 a 1831, 6.119 corpos de “pretos novos” foram enterrados naquele local. “No Museu da Cúria Metropolitana encontrei um livro de óbitos da Freguesia de Santa Rita, que respondia à época pelo cemitério, onde estão registrados os nomes dos navios, as nações ou os portos de origem, os donos e as idades dos ‘escravos novos’ desse período, e até as marcas que recebiam nos navios negreiros”, confirmou o historiador, que se uniu a Merced e Petrúcio ao ler sobre a descoberta do sítio arqueológico numa nota de rodapé de jornal.


Foto disponível em 01/02/2010 no site: http://www.rio.rj.gov.br/sedrepahc/proj_sitio_arqueo_pretos_novos.shtm

Escondendo a vergonha: Cemitérios para negros, pobres indigentes

Os documentos pesquisados também revelaram que no século XVII um pequeno cemitério junto ao Morro do Castelo, nos fundos da Santa Casa da Misericórdia, destinava-se aos escravos africanos, seus descendentes, indigentes e pobres que morriam no hospital. Como em 1700 este cemitério já não comportava o grande número de sepultamento de escravos, o governador do Rio de Janeiro, Ayres de Saldanha Albuquerque Coutinho Matos e Noronha (1719-1725), determinou que fosse criado um cemitério somente para pretos novos no largo da Igreja de Santa Rita, recém-criada, o que foi feito. Por volta de 1769, o vice-rei, Marquês do Lavradio (1769-1779), ordenou a mudança do mercado da Rua Direita, na Praça XV, para a Rua do Valongo (hoje Camerino). Ele não queria que os escravos no estado lastimável em que se achavam ao desembarcar fossem vistos na entrada principal da cidade. E quando o mercado de escravos foi transferido para a Praia do Valongo, o Cemitério dos Pretos Novos foi junto, porque a proximidade com o porto facilitava o transporte dos corpos.

Clamor da sociedade – Em 1821, o Cemitério dos Pretos Novos já estava cercado de casas, e os moradores começaram a reclamar com o príncipe regente D. Pedro e outras autoridades dos “males à saúde” e do mau cheiro que exalava dos corpos insepultos. De acordo com documentos encontrados por Júlio César no Arquivo-Geral da Cidade, no dia 13 de março de 1830 foi feito o último sepultamento no Cemitério dos Pretos Novos.


Foto disponível em 01/02/2010 no site: http://www.rio.rj.gov.br/sedrepahc/proj_sitio_arqueo_pretos_novos.shtm


Na opinião do historiador, o fim do cemitério não foi determinado apenas pela pressão higienista, clamor da imprensa e dos moradores. “A hipótese mais aceita”, disse, “é a de que, após o acordo que proibia o tráfico negreiro firmado com a Inglaterra (a famosa “lei para inglês ver”), o Brasil não teria como justificar a existência do cemitério de recém-chegados da África.”

Irmandades – Segundo Júlio César, “o Cemitério dos Pretos Novos é exemplo dos muitos sofrimentos impostos por um sistema escravista, em que milhares foram sepultados sem ter o direito aos preceitos das culturas tradicionais africanas”. Os que conseguiram sobreviver, no entanto, se filiaram a irmandades negras, que arrecadavam recursos e garantiam aos compatriotas enterros em condições mais dignas.


Um novo sentido à vida


A descoberta do sítio arqueológico sob o chão que pisava mudou completamente a vida da família Guimarães: Merced, Petrúcio e três filhas. Até 1998, eles conviveram com buracos em toda a área interna e nas laterais da casa, e com gente entrando e saindo. Quando as pedras começaram a rolar das paredes escavadas, o jeito foi mudar para o auditório da sua pequena empresa de prestação de serviços ao Porto do Rio, lá mesmo na Gamboa. E a todo tempo ouviam da prefeitura que a casa seria desapropriada.

Júlio César Medeiros da Silva Pereira, mestre em História Social pela UFRJ e Ana Maria Merced, proprietária da casa nº 36 da rua Pedro Ernesto. Foto disponível em 01/02/2010 no site: http://www.sintufrj.org.br/PORTALII/cemiteriodosPretosNovos.htm

Em 2000, não suportando mais a situação, os Guimarães retomaram as obras na casa. “Durante quatro meses eu e minhas filhas adolescentes peneiramos terra dos buracos e separamos ossos. Em 2001, as arqueólogas sumiram e até hoje ninguém mais voltou”, disse Merced. Os ossos foram levados para o IAB, e lá permanecem em caixas de papelão. Oficialmente, os estudos sobre o sítio arqueológico foram esquecidos.

Apesar de todos os transtornos, Merced se apaixonou pela história dos escravos enterrados na Gamboa e decidiu, sem contar com ajuda oficial ou de ONGs, expor as fotos dos ossos e artefatos desenterrados em grandes painéis na sua própria sala de visitas e abrir para visitação pública. Mais tarde, comprou duas lojas coladas à sua casa e criou o Instituto de Pesquisas e Memorial dos Pretos Novos [acesse o portal: http://www.pretosnovos.com.br/index.html ], que tem como diretores pessoas ligadas ao movimento negro da cidade, como Antonio Carlos Rodrigues da Silva. O espaço se transformou numa referência para esses militantes, artesãos e artistas plásticos. Na região, que além da Gamboa abriga os bairros da Saúde, Santo Cristo e os Morros da Previdência e da Conceição, a casa de nº 36 é uma referência da cultura afro, onde sempre são realizadas festas e cultos africanos, e lugar seguro para guardar objetos e outras relíquias da escravidão no Brasil. É comum se chegar lá e encontrar pessoas como Maria da Graça Lau e Cristina Sebastiana, legítimas representantes de grupos de jongo no Estado do Rio de Janeiro. Respira-se naqueles cômodos um cheiro forte de amor e fraternidade.

Fonte: http://www.sintufrj.org.br/PORTALII/cemiteriodosPretosNovos.htm


Sobre o Cemitério dos Pretos Novos veja também:

http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u40857.shtml

http://www.rio.rj.gov.br/sedrepahc/proj_cais_imperatriz.shtm

http://www.rio.rj.gov.br/sedrepahc/proj_sitio_arqueo_pretos_novos.shtm