A morte nos faz cair em seu alçapão, / É uma mão que nos agarra / E nunca mais nos solta. / A morte para todos faz capa escura, / E faz da terra uma toalha; / Sem distinção ela nos serve, / Põe os segredos a descoberto, / A morte liberta o escravo, / A morte submete rei e papa / E paga a cada um seu salário, / E devolve ao pobre o que ele perde / E toma do rico o que ele abocanha.
(Hélinand de Froidmont. Os Versos da Morte. Poema do século XII. São Paulo : Ateliê Editorial / Editora Imaginário, 1996. 50, vv. 361-372)

sábado, 23 de janeiro de 2010

Candelária - o cemitério dos heróis esquecidos

Candelária, o cemitério dos heróis esquecidos da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, em Porto Velho (RO).


Cruz no Cemitério da Candelária, Porto Velho (RO), 2007. Foto: Nelson Townes - Revista Momento.



Por Nelson Townes. Matéria publicada na Revista Momento e disponibilizada no site: http://www.gentedeopiniao.com.br/ em 12/10/2007 - 07:53.



Eles ainda estão lá, esquecidos e perdidos há quase um século, no meio do bosque místico, sagrado e histórico em que se transformou o Cemitério da Candelária, a dois quilômetros do centro de Porto Velho. São os 1.593 trabalhadores que vieram de 22 países de todos os continentes para lutar contra a selva amazônica e morrerem durante a construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, e que ainda estão lá sepultados.

Talvez não haja cemitério igual no planeta. É uma espécie de ONU (Organização das Nacões Unidas) fúnebre, Lá estão enterrados espanhóis, antilhanos, portugueses, gregos, bolivianos, italianos, venezuelanos, colombianos, chineses, turcos, peruanos, barbadianos, alemães, franceses, ingleses, austríacos, árabes, russos, porto-riquenhos, japoneses e dinamarqueses que a Madeira-Mamoré Railway Company recrutou no mundo inteiro para trabalharem na construção ferrovia.

Eles foram sepultados entre 1907, quando o cemitério foi aberto, anexo ao Complexo Hospitalar da Candelária, criado para tratar de funcionários da ferrovia, e 1912, quando a ferrovia foi inaugurada. Era reservado só para os operários estrangeiros que morriam nas obras na grande ferrovia da floresta.

Quando a construção da estrada acabou, e a maioria dos estrangeiros voltou para suas terras de origem, os que morreram foram abandonados pelos compatriotas sobreviventes. Os 1.593 sepultamentos são confirmados por estatísticas necrológicas dos médicos do Complexo Hospitalar da Candelária. Não há registro de que algum deles tenha sido exumado para lugar algum. Heróis de uma das maiores obras da humanidade, nunca foram repatriados após a morte em terra estranha.

Seus nomes foram esquecidos. Seus túmulos começaram a ser violados após a desativação do cemitério em 1920. As lápides foram destruídas ou roubadas.


Ruína de túmulo no Cemitério da Candelária, Porto Velho (RO), 2007. Foto: Nelson Townes - Revista Momento.


As tumbas desapareceram - As que não foram violadas foram engolidas pela floresta que ressurgiu no local. Árvores gigantes se ergueram sobre os túmulos, penetrando-os com grossas raízes, envolvendo, triturando e misturando os ossos com a terra.

Uma ou outra tumba é hoje encontrada. Uma delas, posterior a 1912, já do tempo em que brasileiros também eram enterrados no Candelária, é de Carlos Augusto Serzedelo, nascido em julho de 1876 e falecido em agosto de 1917. Os túmulos que sobraram estão escondidas pela floresta que tomou conta do cemitério abandonado.

"Das 1.593 cruzes que com certeza existiam, as recuperadas ou que ainda são visíveis não chegam a 50." constatou o arquiteto Luis Leite, presidente da Associação dos Amigos da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, que visita freqüentemente o local.

Em 2005, Leite soube que haviam sido roubadas 11 cruzes do Candelária. Permaneceram desaparecidas durante um mês, até que a Polícia as entregou à Associação dos Amigos da Estrada de Ferro, sem dizer quem as tinha roubado.

Associação colocou-as novamente nos túmulos. O trabalho sob a coordenação de Luis Leite e Demetrius Lemos, demorou mais de quatro horas. Essas e outras relíquias do cemitério costumam ser roubadas sob encomenda até por gente ilustre de Porto Velho - para efeitos decorativos ou por misticismo.

A esperança dos amigos da Madeira-Mamoré é a de que os nomes de todas as 1.593 pessoas sepultadas no Candelária ainda estejam em algum livro de registros da ferrovia não queimado pelos militares da Ditadura que a destruíram a partir de 1972.

Muitos documentos escaparam do vandalismo militar, ainda não foram examinados e estão sendo estudados e recuperados por diferentes grupos de trabalho.

Lápide da sepultura de Carlos Augusto Serzedelo (1876-1917) no Cemitério da Candelária, Porto Velho (RO), 2007. Foto: Nelson Townes - Revista Momento.


História recuperada - A história desses primeiros tempos de Porto Velho também está sendo recuperada com base em documentos pertencentes ao acervo do Centro de Documentação Histórica do Tribunal de Justiça do estado de Rondônia.


Uma equipe chefiada pela historiadora Nilza Menezes examina processos judiciais, livros cartoriais de Imóveis e Registro Civil que que têm registros a partir da instalação da Comarca Santo Antonio do Rio Madeira no ano de 1912.

Enquanto o Candelária funcionou como cemitério só para estrangeiros, até 1912, apenas uma exceção foi feita para o sepultamento de uma pessoa não alienígena: uma jovem brasileira chamada Lydia Xavier, segundo o médico, antropólogo e historiador Ary Pinheiro, citado por Yêdda Pinheiro Borzacov em seu livro "Porto Velho, 100 anos de história."

Mesmo sendo exceção entre os dos estrangeiros, o túmulo da brasileira Lydia tem inscrição em inglês. Seu discreto enterro visou evitar um escândalo na sociedade de Porto Velho. A jovem era amante de um engenheiro norte-americano e o romance não podia ser revelado. Lydia, após uma briga o amante, suicidou-se se envenenando com um corrosivo.

O Cemitério da Candelária é também uma referência para os estudos sobre o povo judeu nos vales dos rios Madeira, Mamoré e Guaporé. Nele foi enterrado o judeu Isaac Benchimol, por volta de 1910. Segundo algumas fontes, a comunidade judaica não se organizou em Porto Velho pelo fato de os judeus que trabalhavam na Madeira-Mamoré serem enterrados em cemitérios não judeus – como o Candelária (e no de Abunã e anos mais tarde no Cemitério dos Inocentes, onde há outro judeu chamado Isaac Benchimol, homônimo do Benchimol do Candelária.)

O sepultamento de Isaac Benchimol no Candelária simbolizaria o início do abandono pelos judeus que trabalhavam na Estrada de Ferro Madeira-Mamoré de suas de tradições religiosas.

Há outros mistérios o Cemitério da Candelária que a história ainda não desvendou. Segundo o arquiteto Luis Leite, consta que, além dos estrangeiros sepultados até 1912, mais 4 mil pessoas (entre elas brasileiros) foram enterradas ali nos oito anos seguintes em que continuou funcionando até sua completa desativação em 1920 – e que foram igualmente esquecidas. Sem nomes, sem lápides, em túmulos escondidos pelo matagal. Quem eram? De onde vieram?

Se a informação de Luis Leite estiver correta, pelo menos cinco mil mortos estão enterrados no Cemitério da Candelária.

Uma solução para caracterizar bem o bosque-cemitério como um local sagrado e intocável seria a colocação de um grande mural no local, com os nomes dos 1.593 trabalhadores ali sepultados.

As bandeiras dos 22 países que eles representam poderiam ser desfraldadas junto ao mural, ressaltando a importância histórica do cemitério e transformando-o num ponto de referência histórica, cultural, e turística da memória da cidade - como outros cemitérios antigos são em outras cidades.

A Associação de Amigos da Madeira-Mamoré construiu uma cruz, de vinte metros de altura, com trilhos, para marcar o local do cemitério. Todos os anos, no mês de novembro, é realizada uma missa ecumênica em memória dos que estão ali sepultados e de todos os outros que perderam a vidas durante a construção da ferrovia.

A missa é celebrada também em memória dos que tiveram de ser enterrados na floresta, ao lado ou sob os trilhos, ao longo da ferrovia, e pelos que não conseguiram deixar a selva em duas tentativas anteriores de construir a Madeira-Mamoré, quando não havia o Hospital da Candelária nem o cemitério anexo (era separado do hospital por um pomar.)

Mas, o Cemitério da Candelária ainda é visto em Porto Velho como um matagal abandonado pela maioria da população, que mal conhece sua história. E está sempre na mira de empresários imobiliários que o vêem apenas como um terreno a ser loteado para construção de casas e prédios.

No resto do Brasil e em outros países, os cemitérios estão ligados à história das cidades onde se localizam, através de obras de arte como os mausoléus das famílias ilustres, das personalidades históricas e das épocas importantes que eles evocam.

Em Porto Velho, o próprio Cemitério dos Inocentes, está ligado à história com mausoléus que são monumentos sobre o passado aristocrático da cidade e os pioneiros da Capital.

Um dos fundadores da psicologia de massas, Gustave Le Bon, explica o significado dos monumentos nos cemitérios: "Não são os fatos em si que ferem a imaginação coletiva, mas sim o modo pelo qual se lhes apresentam. Os monumentos e as comemorações são, sem dúvida, os meios mais proveitosos, práticos e seguros, para gravar no espírito do povo as proezas de um herói, a grandeza de um nome ou a importância e o significado de um acontecimento."


Honra e bravura - O Cemitério da Candelária não tem monumentos materiais, O bosque que se formou sobre ele tornou-se um monumento natural, puramente espiritual. É um campo de honra consagrado à bravura e ao sofrimento físico e moral dos que enfrentaram a selva.

A floresta que os matou agora os abriga. É o local de descanso dos que deixaram suas famílias em países distantes, pensando que logo voltariam, mas foram enganados quanto às condições de trabalho e os perigos mortais que sofreriam, como anotam os historiadores.

A maioria morreu não somente de doenças da região, como a malária, mas também de outras moléstias, e após sofrimentos tão terríveis que impressionaram "indelevelmente" o sanitarista Oswaldo Cruz, que esteve em Porto Velho em 1910, estudar as causas das doenças que matavam os trabalhadores.

O Cemitério da Candelária está localizado perto da linha férrea, no trajeto em direção à antiga e extinta Vila de Santo Antonio. Tem aos fundos o Conjunto Residencial Cujubim e fica próximo do clube dos sub-tenentes e sargentos do 5º Batalháo de Engenharia de Construção do Exército. No outro extremo fica próximo das residências do bairrdo Triângulo, também na beira da ferrovia.

O perímetro urbano pertence à ferrovia desde o decreto presidencial de 8.776 de 7 de junho de 1911, assinado pelo então presidente da República, Hermes da Fonseca, que definiu as propriedades da ferrovia, na faixa de 150 metros para cada lado do eixo da linha da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, correspondentes a uma área em quadro, de 5.000 metros de lado.

Mas, como se observa, é ocupado de forma desordenada, com pouca infra-estrutura básica e agressões sobre os elementos históricos do espaço como a linha férrea e o Cemitério da Candelária além das áreas de mata preservada e de proteção de mananciais.

Quando a cidade de Porto Velho nasceu, em 1907, a partir das oficinas e galpões da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, o patrimônio imobiliário do município criado 7 anos depois correspondia tão somente às áreas de influência da construção e instalação da estrada de ferro, "sem deter qualquer outro patrimônio imobiliário” - conforme reconhece até hoje a prefeitura de Porto Velho.

Cruz no Cemitério da Candelária, Porto Velho (RO), 2007. Foto: Nelson Townes - Revista Momento.


Conjunto histórico -O Conjunto Histórico, Arquitetônico e Paisagístico da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré (EFMM), formado pelo Pátio Ferroviário, os oito quilômetros de estrada de ferro que vai da Estação Central até a Estação de Santo Antônio, as três Caixas d'água e o Cemitério da Candelária, foram tombados como monumentos integrantes do Patrimônio Cultural Brasileiro, “em razão de possuírem um excepcional valor cultural” pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), através da portaria 231, de 13 de julho de 2007.

Além do valor histórico para a cidade de Porto Velho, o Cemitério da Candelária, inspira misticismo em muita gente. Moradores do bairro do Triângulo costumam contar - reservadamente - histórias sobrenaturais sobre o bosque místico onde jazem os trabalhadores da ferrovia.

Uma dona de casa, que pediu para não ser identificada, moradora a poucos metros da linha férrea, perto do cemitério, conta que, em mais de uma noite, acordou com um clarão iluminando a rua e ouvindo o ruído de um trem andando nos trilhos.

Ela diz que nessas ocasiões abre a janela e vê que o clarão é o do farol de um trem da Madeira-Mamoré se aproximando. Nesse momento, diz ela, alguns homens caminham do cemitério da Candelária para perto dos trilhos.

“Eles se vestem como os antigos trabalhadores da ferrovia, com camisas de mangas compridas abotoadas até o pescoço e junto aos punhos, para evitar picadas de mosquitos”- acrescenta a mulher.

“Os homens fazem sinais para o trem parar, mas o trem passa direto e desaparece”. “Então os homens caminham de volta ao cemitério cabisbaixos, e somem na escuridão.”

Para essa dona de casa, que diz rezar sempre pelas almas dos mortos da EFMM, eram fantasmas dos operários tentando embarcar no trem com a passagem comprada pela própria vida.

FONTE: http://www.gentedeopiniao.com.br/ler_noticias.php?codigo=26142

domingo, 17 de janeiro de 2010

Onde dormem os imigrantes

ESTUDIOSA DE FLORIANÓPOLIS PESQUISA 104 CEMITÉRIOS EM 13 CIDADES DE SANTA CATARINA

Conservado. No mestrado em arquitetura, na UFSC, Elisiana pesquisou sobre o primeiro cemitério oficial da antiga colônia Dona Francisca. Inaugurado em 1850, em Joinville, é o único tombado na região Sul. Foto disponível em
http://www.clicrbs.com.br/anoticia/jsp/default2.jsp?uf=1&local=1&source=a2294521.xml&template=4187.dwt&edition=11111&section=905

Por JÉFERSON LIMA (jeferson.lima@an.com.br) correspondente em Florianópolis (SC). Matéria publicada no jornal A NOTÍCIA, de Joinville (SC), em 16 de novembro de 2008, na edição N° 230, Seção MEMÓRIA.


Se quiser conhecer uma cidade, vá ao seu mercado público. A frase atribuída ao escritor Ernest Hemingway pode ganhar outros desdobramentos. É possível também conhecer a face de uma cultura visitando o seu cemitério. No caso da professora Elisiana Trilha Castro, 33 anos, a visita tem uma finalidade totalmente científica.

A pesquisadora trabalhou com o tema em sua graduação em história, no seu mestrado em arquitetura e prepara-se para seguir estudando o assunto no doutorado. Além dos trabalhos acadêmicos, ela está publicando o livro "Hier Ruht in Gott - Inventário de Cemitérios de Imigrantes Alemães da Região da Grande Florianópolis", pela Editora Nova Letra. A autora pesquisou 104 cemitérios em 13 cidades. "Em 66 deles há alguma ligação com o patrimônio da imigração alemã", diz ela.

Estes vínculos podem ser observados a partir de traços arquitetônicos dos jazigos; em epitáfios alemães; nos nomes e sobrenomes das pessoas sepultadas; e em outros ritos e práticas adotadas pelas comunidades teuto-brasileiras. A escolha pela pesquisa em cemitérios alemães ocorreu pela solicitação à autora, principalmente, de descendentes de alemães.

As informações de cemitérios abandonados e destruídos motivou o projeto, que começou pelo de São Francisco de Assis, no bairro Itacorubi, em Florianópolis, onde há um núcleo da comunidade alemã. Antes de se dedicar aos alemães, o trabalho de Elisiana teve início quando ela descobriu que na cabeceira da ponte Hercílio Luz havia um imenso cemitério, com mais de 30 mil túmulos. Era o primeiro cemitério municipal da Capital, inaugurado em 1841.

Durante a construção da primeira ligação da ilha com o continente, entre 1923 e 1926, os túmulos foram sendo transferidos. A pesquisa foi objeto de seu trabalho de conclusão de curso em história na Udesc. Até 1850, as pessoas eram sepultadas no interior das igrejas. Ou em pequenos cemitérios externos, dedicados geralmente aos mais pobres e negros. A proibição dos sepultamentos no piso e nas paredes das naves católicas ocorreu por um problema de saúde pública causado pela emissão de miasmas pelas paredes provenientes dos mortos.

No mestrado em arquitetura, na UFSC, Elisiana trabalhou sobre identidade, memória e preservação e seu foco foi o primeiro cemitério oficial da antiga colônia Dona Francisca, inaugurado em 1850, em Joinville. Elisiana considera o equipamento da cidade do Norte do Estado um bom exemplo de preservação no Estado. Foi tombado pelo Iphan em 1962 e permanece como o único cemitério tombado na região Sul.

Elisiana Trilha Castro estuda o legado cultural e patrimonial dos cemitérios de imigrantes alemães no Estado.
Foto disponível em
http://www.clicrbs.com.br/anoticia/jsp/default2.jsp?uf=1&local=1&source=a2294521.xml&template=4187.dwt&edition=11111&section=905


Já há uma articulação entre o Iphan e o governo do Estado para que outros cemitérios sejam tombados nos próximos anos e sirvam como espaço de visitação ou museu ao ar livre. Elisiana não gosta dessa terminologia, mas salienta que, em outros países, os cemitérios são bastante visitados. "O Père-LaChaise, em Paris, só é mais procurado do que a própria Torre Eiffel", diz ela. É claro que lá a atração é bastante forte por causa das personalidades sepultadas, como é o caso de Edith Piaf, Chopin, Jim Morrison, entre outras.

Sob o ponto de vista de arquitetura funerária, conforme Elisiana, a Itália é imbatível. Entre os cemitérios italianos mais conhecidos estão o Monumentale, de Milão, e o Certosa, de Bolonha. Na América Latina, o exemplo mais célebre é La Recoleta, em Buenos Aires, onde está sepultada Evita Perón. Em Santa Catarina, os restos mortais do poeta simbolista Cruz e Sousa, por exemplo, estão desde 2007 no palácio que leva o seu nome, em Florianópolis, e também tem uma boa visitação.

A pesquisadora lembra que, hoje, as pessoas não são mais veladas em casa e os cortejos fúnebres pelas ruas são raros. "Os cemitérios estão sendo transformados em jardins e não há mais debate sobre a morte", avalia. Quanto à cremação, ela diz respeitar as dinâmicas da sociedade. Elisiana também é membro-fundadora da Associação Brasileira de Estudos Cemiteriais (Abec), criada em 2004, na Universidade de São Paulo.

Fonte:http://www.clicrbs.com.br/anoticia/jsp/default2.jsp?uf=1&local=1&source=a2294521.xml&template=4187.dwt&edition=11111&section=905

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

"DAS IGREJAS AO CEMITÉRIO: Políticas públicas sobre a morte no Recife do século XIX" livro de Vanessa de Castro Sial







Fotos: Capa do livro "Das Igrejas ao Cemitério" e a autora Vanessa de Castro Sial, 2007. Fonte on line: http://cafehistoria.ning.com/



Por Bruno Leal. Resenha publicada na rede “CAFÉ HISTÓRIA” na seção “Café com Prosa” em 07-01-2010. Fonte: http://cafehistoria.ning.com/profile/CafecomProsaArquivo


“Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver dedico como saudosa lembrança estas Memórias póstumas.” Assim começa Machado de Assis em suas “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, considerado por muitos a sua mais arrojada obra literária. Além de sua característica prosa de vanguarda, o livro contou ainda com um contexto bastante favorável. Publicado em forma de folhetim em 1880, a narrativa pós-morte de Brás Cubas surgia em um momento no qual o Brasil repensava suas políticas públicas sobre a morte. Na segunda metade do século XIX, as autoridades públicas brasileiras estavam preocupadas com a execução de um processo de modernização dos trópicos, o que clamava, necessariamente, por medidas sanitaristas e urbanísticas importantes, como é o caso da divisão espacial entre vivos e mortos. Até então, a Igreja era, inconteste, o lugar santo dos mortos, algo que os cemitérios logo viriam conquistar. Não sem alguma tensão, é claro. É sobre esse conflito, sobre esses novos projetos e ideologias que discute Vanessa de Castro Sial (foto) em seu interessante “Das Igrejas ao Cemitério”.

Tendo como estudo de caso as políticas públicas do Recife do século XIX, o livro é uma versão para a dissertação de Vanessa, elaborada entre 2002 e 2005 dentro do programa de pós-graduação em História da UNICAMP, sob orientação do historiador Sidney Chalhoub. No livro, publicado em 2007 com apoio de órgãos públicos da cidade de Recife, Vanessa problematiza um momento de transição das tradições envolvendo os mortos e os vivos, no Brasil. Pela força de autoridades públicas e com o respaldo científico de instituições emergentes, como a Sociedade de Medicina de Pernambuco, testemunhava-se no país a necessidade de construir cemitérios extramuros, uma tentativa de encerrar para sempre a prática de sepultamento nas igrejas, tradição esta que segundo os médicos sanitaristas da época apresentavam diversos problemas.

No século XX, a morte envolvia um ritual bastante complexo, bem diferente das práticas contemporâneas. Para que o morto conseguisse a graça de Deus, era necessário a integridade de seu corpo. Em outras palavras, isso significava testamentos, missas, doações, enfim, uma logística bastante imaculada no imaginário popular da época. O lugar dos mortos próximos aos vivos, entretanto, estava próximo de acabar. A onda modernizadora, inspirada principalmente nas academias francesas de ciência e medicina, queria levar os entes mortos das igrejas para os cemitérios. A comunidade científica estava convencida que os corpos em decomposição era uma séria ameaça (os famosos “miasmas” invisíveis) ao bem estar da população, devendo antigas práticas desaparecer por completo, junto com outros “problemas” urbanos, como os vagabundos, os bêbados e as prostitutas. Em alguns casos, essa mudança provocou uma verdadeira revolta. É o caso da Bahia, que testemunhou um rebelião popular, conhecida entre os historiadores como “cemiterada”.

Em Recife, mostra Vanessa, a higiene foi mais do que um projeto político, mas uma verdadeira ideologia. Empenhados em dar um fim a “morte barroca”, os médicos higienistas tiveram um papel de grande poder na sociedade pernambucana. A luta por uma disciplinarização dos sepultamentos, bem como de seus cadáveres, passava, por exemplo, pelo cumprimento da lei n.91/1841, que proibiu o sepultamento nas igrejas e exigiu a construção de um Cemitério Público do Recife.



Fotos: Imagens do livro "Das Igrejas ao Cemitério" de Vanessa de Castro Sial, 2007. Fonte on line: http://cafehistoria.ning.com/


Dentre outras questões, o livro de Vanessa, muito bem escrito e ilustrado na medida certa, expõe não só o ímpeto do projeto modernizador que varreu o mundo ocidental dos oitocentos, mas, sobretudo, a maneira como as idéias e ações (bem concretas!) desses projetos eram recebidas e encaradas pela população que, por sua vez, viu-se obrigada a redefinir e negociar suas crenças, nas palavras da autora, “adaptando suas visões escatológicas e soterológicas sobre o ato de morrer”.

Uma obra indicada para quem está bem vivo, “Da Igreja ao Cemitério” é o tipo de livro que pode ser lido em qualquer lugar, a qualquer tempo, como querem os bons livros. E isso sem despistar os que procuram por leituras sólidas e de vasto conhecimento. A melhor sugestão de leitura, talvez, que o Café História possa sugerir para as férias de verão.

(*Vanessa de Castro Sial é membro do Café História – acesse a rede: http://cafehistoria.ning.com/ )

[Dados sobre a obra]:

Páginas: 312
Ano: 2007
Editora: Secretaria de Cultura da Cidade do Recife
Preço encontrado: R$ 15,00



Fonte:
http://cafehistoria.ning.com/profile/CafecomProsaArquivo